Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

LIDERANÇA

Antônio do Barroso

Antônio Correia dos Santos, ou Antônio do Barroso, nascido em 12 de dezembro de 1946, na cidade de Maraú, descendente de uma família pobre, negra e trabalhadores rurais. Com 7 anos de idade, já vivia da lida na terra, ao mesmo tempo, cuidava de sua família que foi mais uma a sofrer as consequências da epidemia da Malária. Ainda com mais ou menos 9 anos foi morar em Camamu e a partir de então, vivia trabalhando em grandes fazendas de cacau. Nessa época, ainda era muito comum, no Baixo Sul da Bahia, trabalhar em troca de moradia e comida. Sr. Antônio sempre foi uma pessoa inquieta e que não ficava calado diante das injustiças. Mesmo em tempos de ditadura militar, ele junto a colegas e amigos, que passavam pelas mesmas situações, fundaram o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Camamu tendo ele como um dos primeiros diretores.

 

Era um líder por natureza! Com a simplicidade de seu andar, o sorriso contagiante e a maneira eloquente como tratava dos assuntos, Sr. Antônio acreditava de verdade na força coletiva. Viveu no Quilombo do Barroso entre seus 26 anos e 73 anos.

 

HORA, Alex Matheus. Casa onde viveu Antônio Correia. Óleo sobre cartão telado, tamanho 20x30cm. Camamu-Bahia, 2023.

 

Foi lá que se casou com D. Rosalina Docílio Alves, nascida e criada no Barroso, tiveram uma linda família e seguiram juntos na luta até o fim. Os dois acreditavam na força daquele território, como a materialidade de uma ancestralidade viva. Ele ajudou na fundação e foi o primeiro presidente da Associação da Comunidade Quilombola do Barroso. Foi pela luta coletiva que conseguiram levar luz elétrica, água encanada, escola, ampliaram as culturas do cacau, do cravo, entre outras plantações e, a demarcação como território remanescente quilombola.

 

HORA, Alex Matheus. Estufa de secar cacau onde trabalhou Antônio Correia. Óleo sobre cartão telado. Tamanho 30×40 cm. Camamu-Bahia, 2023.

 

Ele não frequentou escola, apesar desse ser o seu sonho. Mas aprendeu a ler e assinar o próprio nome sozinho. Em entrevista à Ms. Ana Paula Santana, quando estava na pesquisa de campo da sua dissertação, Sr. Antônio conta:

 

Eu saía pra trabalhar e levava uma cartilha, aí onde eu achasse alguém que sabia ler eu pedia pra me ensinar as letras, pra eu conhecer as letras, que eu fazia questão de conhecer as letras. Aí as pessoas ia me ensinando, essa aqui é A, é B e tal, e aí com aquilo eu fui aprendendo, desenvolvendo que aí eu aprendi a assinar meu nome. Consigo ler, consigo escrever, pra ler eu até leio melhor que escrever viu, eu escrevo ruim, mas pra ler, eu leio muito bem. É prova que a senhora tá vendo essa quantidade de livro aí, não tenho dificuldade, não leio gaguejando, pelejando pra pronunciar palavra não. Eu sou muito chegado a história, noticia, eu tô aqui mas eu dou conta do que ta passando quase no mundo. (…) esse interesse [na demarcação] veio lendo principalmente sobre a história de Camamu, a história dos negros, dos escravos que teve em Camamu um grande movimento e analisando os aspectos da região pelas matas que tem na região e uns livros que eu tenho aí contando história de quilombo essas coisa, me veio a ideia, me veio aquele incentivo.”

 

Como a vida de um lutador negro, pobre e quilombola é muito difícil, infelizmente, por conta de um conflito de posse de terras com a comunidade vizinha, no dia 08 de Maio de 2020, Sr. Antônio do Barroso, como era amplamente conhecido, foi alvejado com 3 tiros em sua residência e faleceu no dia seguinte por conta dos ferimentos. Em março do mesmo ano, em reunião na Secretaria de Desenvolvimento Rural da Bahia, junto a outros órgãos governamentais, relatou sobre as ameaças que vinha sofrendo há anos e que estava se intensificando. Esse conflito é relatado às autoridades desde 2014 e nada foi feito. A justiça tem andado a passos lentos, nada foi feito em relação a quem matou ou mandou matar meu avô. Que a justiça seja feita! Mas enquanto isso, o quilombo tem ganhado asas. Para conhecer mais sobre os projetos do quilombo, visite: https://www.quilombodobarroso.com/ e para mais informações sobre o falecimento precoce de Sr. Antônio, viste: https://kn.org.br/noticias/seu-antonio-nao-morreu-ele-foi-morto/7483

 

Com Saudade e com Luta,
Sua neta,
Naira Évine.

 

Naira Évine é neta de Sr. Antonio e D. Rosalina. É doutoranda em Crítica Cultural (UNEB), mestre em Cinema (UFF) e graduada em Comunicação Social / hab. em Rádio e TV (UESC). Cineasta, documentarista, pesquisadora, montadora, curadora e mais uma ruma de coisa. Vive o cinema na teoria e na prática. Orgulhosamente Ìyàwó de Nanã. É do Baixo Sul da Bahia, filha e neta de quilombolas e de trabalhadores rurais. No momento se dedica a pesquisar sobre memória no cinema negro brasileiro. Preservar a memória dos seus ancestrais é sua grande alegria. Contribui enquanto mobilizadora de recursos em algumas associações no Baixo Sul da Bahia.

 

Quer saber mais?

 

Seu Antônio não morreu. Ele foi morto! Seu Antônio presente! Sempre!!! – KOINONIA

 

Quilombo Do Barroso

 

SANTANA, Ana Paula. Interlocução entre os saberes da comunidade do Barroso e a educação escolar quilombola no município de Camamu-BA. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Educação – Formação de Professores da Educação Básica – Universidade Estadual de Santa Cruz. Ilhéus, BA: UESC, 137f, 2019.