Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Arqueologia do território do Baixo Sul baiano

 

A Arqueologia do território do Baixo Sul baiano revela lugares de histórias fascinantes, permeada por vestígios que comprovam a ocupação humana na região em diferentes períodos. Desde os povos indígenas pré-coloniais até os tempos atuais, o Baixo Sul baiano foi palco de uma diversidade de culturas e interações humanas. Os estudos arqueológicos realizados nessa região têm descoberto evidências significativas das histórias dos povos indígenas e de aspectos sociais do período colonial, os quais permitem reinterpretar os processos de formação da nação brasileira.

Em todo o litoral do Nordeste, a presença da arquitetura colonial é predominante. Desde o norte da ilha de Tinharé até Ilhéus, passando pela bacia do rio das Contas, estudos arqueológicos demonstram que a distribuição das unidades formadas por habitações, igrejas e engenhos coloniais foi estrategicamente planejada para formar um sistema de controle territorial difuso da paisagem (COSTA e COMERLATO, 2018).

Com o objetivo de invadir e dominar territórios indígenas, os colonizadores priorizaram inicialmente lugares desabitados ao longo da costa recortada dessa região, habitando ilhas e penínsulas, onde conseguiram se proteger de ataques dos corsários e piratas, bem como dos povos indígenas que resistiam à invasão europeia. Após a estabilização e fortalecimento deste núcleo pioneiro, partiram expedições tanto militares como religiosas, para dominarem as porções das terras do continente, onde surgiram as atuais cidades construídas sobre antigas aldeias indígenas.

O resultado deste perverso processo de invasão territorial foi a morte de indígenas e a destruição de muitos aspectos de seu patrimônio cultural e arqueológicos. Sítios arqueológicos como os sambaquis, por exemplo, normalmente encontrados em ambientes de lagamar, característicos do arquipélago de Tinharé, baía de Camamu e no estuário do rio Cachoeira, em Ilhéus, não são encontrados atualmente na região, provavelmente, por que foram destruídos para utilizarem suas conchas como matéria-prima na construção de fortes, igrejas, conventos, engenhos e casas coloniais ainda hoje expostas na paisagem regional.

Não obstante, a resistência prevaleceu sobre a violência colonial. Felizmente ainda hoje existem povos indígenas habitando seus antigos territórios na região, como também os sítios arqueológicos que contam suas histórias antes da chegada dos colonizadores. Um exemplo é o sítio arqueológico Pedreira, encontrado durante o processo de licenciamento ambiental para construção da rodovia BR-010 no trecho entre Camamu-e a BR-030. Localizado próximo ao estuário de Maraú, o sítio apresenta dois momentos de ocupações: o mais profundo correspondente a uma aldeia indígena, com fragmentos cerâmicos identificado como sendo da tradição Aratu, fase Itanhém; e outro contexto sobreposto relativo a um engenho de açúcar, com fragmento de faianças europeias e elementos arquitetônicos coloniais (FERNANDES, 2020, p. 598).

Fragmentos de cerâmicas da tradição Aratu, fase Itanhém (Fonte: FERNANDES, 2020, p. 600)

Outros vestígios arqueológicos encontrados atestam que diferentes etnias indígenas habitaram a região. Na ilha de Boipeba, achados aleatórios revelaram cerâmicas grossas, com pintura policrômica e decoração corrugada, típicas dos povos do tronco linguístico Tupi. Foram encontrados urnas funerárias, com ossos humanos remanescentes em seu interior, além de assadores grosso pintados, interpretados como suportes para o consumo dos alimentos produzidos nos rituais antropofágicos, conforme registrado na documentação histórica.

Fonte: Fotos digitalizadas do Processo IPHAN nº 01502.001258/2009-81- Achados aleatórios na ilha de Boipeba – Cairu/BA.

A presença de comunidades quilombolas também é uma marca cultural nessa região. Com um recorte geográfico formado por rios e entrepostos, ilhas e penínsulas, o território do Baixo Sul baiano é a região do estado com o maior número de registros históricos sobre a formação de quilombos. Para resistir a escravização, esses assentamentos de pessoas que fugiam do cativeiro eram formados em locais estrategicamente escolhidos para não serem encontrados e caso o fossem, sua população pudesse escapar antes do confronto com as frentes policiais.

Cachimbos associados à produção e uso da população africana e afro-brasileira, com decorações que aludem a símbolos religiosos e escarificações faciais. Esse material é muito encontrado em Cairú e Galeão.(GUARALDO ALMEIDA, 2022)

Sabe-se que muitos desses assentamentos foram abandonados após o fim do regime escravista e outros permaneceram ocupados, porém todos contribuíram com o processo de aquilombagem (MOURA, 2001) das atuais comunidades remanescentes de quilombos, presentes nos diversos municípios do Baixo Sul. Junto com membros dessas comunidades, a arqueologia tem desempenhado um papel importante na identificação e preservação desses locais, contribuindo para a valorização da história e da rica cultura afro-brasileira na região (cit GUARALDO ALMEIDA, 2021).

Escavação no sítio arqueológico Iquira, ilha de Tinharé (Foto: Fabio Guaraldo, 2019)
Escavação no sítio Malhada, na comunidade quilombola de Galeão (Foto: Fabio Guaraldo, 2017)

Por fim, a Arqueologia não se limita apenas a escavações e descobertas materiais, mas também busca compreender as dinâmicas sociais e culturais que moldaram essa região ao longo dos séculos. Por sua característica interdisciplinar, a Arqueologia desenvolvida no território do Baixo Sul baiano revela uma história complexa e multifacetada, desde as primeiras ocupações humanas até os dias atuais. Por meio de pesquisas, é possível resgatar e preservar a memória desses lugares, valorizar as histórias dos povos que não deixaram registros escritos, mas sim registros materiais, a partir dos quais permite aos arqueólogos e arqueólogas contribuírem para preservar a diversidade cultural do passado e fortalecer as identidades no presente.

Por: Fabio Guaraldo Almeida, Bacharel em Ciências Sociais. Mestre e doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), com pesquisa no Baixo Sul baiano. Atualmente é pesquisador do LINTT/MAE/USP.

Quer saber mais?

Estudo arqueológico ajuda na preservação de território quilombola na Bahia – Jornal da USP

COSTA, C. A., e COMERLATO, F. (2018). Arqueologia do Baixo Sul da Bahia: Residências Rurais do Século XIX em Itacaré, Bahia, Brasil. Revista Noctua – Arqueologia e Patrimônio, v.1, ps. 66-75. Disponível em: https://www.fundacaoparanabuc.org.br/edicaoAnterior.php?edicao=OQ==

FERNANDES, H. L. (jul./dez. 2020). Aspectos materiais dos sítios Pedreira e Água Vermelha, Bahia. Habitus, v. 18,n.2, 593-612, jul/dez. 2020

GUARALDO ALMEIDA, F. (2021). Passado e Presente na Paisagem: temporalidade da paisagem quilombola na ilha de Tinharé, Cairú (BA). São Paulo: Tese (Doutorado em Arqueologia), Universidade de São Paulo.

GUARALDO ALMEIDA, F. (2022). Cachimbos de barro na comunidade quilombola de Galeão: achados arqueológicos para pensar a diáspora africana. Vestígios – Revista Latino-Americana De Arqueologia Histórica, 16(2), 28–53. https://doi.org/10.31239/vtg.v16i2.37889

MOURA, C. A. (2001). Quilombagem como expressão de protesto radical. Em C. A. Moura, Os quilombos na dinâmica social do Brasil (pp. 102-117). Maceió: Editora da Universidade Federal de Alagoas.