Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Festa do Amparo – Valença-BA

Oh! Senhora do Amparo, tua festa é emoção…”[1]

Altar principal da Igreja de Nossa Senhora do Amparo (Valença-BA). Autora: Indineia Paixão, 2017.

Ao chegar o meado de outubro a cidade de Valença, na Bahia, muda em muitos aspectos possíveis de se observar: o comércio ganha um outro vigor, pois é preciso preparar-se para a Festa… roupa, sapato, adereços; a paisagem da cidade se altera com a chegada dos camelôs, toda orla em direção à fábrica fica mais apertada, difícil de transitar… mas, todo mundo vai lá… nem que seja para dar uma olhadinha; a população fica mais animada… Conforme Serra (1994, p. 16) “para quem sabe que a festa virá, até a rotina tem seu gosto… Sim, até ela tem graça: torna-se uma ciranda boa, festiva pelo avesso…”.

 

Uma tradição que pode ser remontada à segunda metade do século XVIII, conforme Paixão (2006), “a partir de 1750, um novo povoado se estabeleceu em torno da capela de Nossa Senhora do Amparo, conhecido como Povoado do Amparo”. E desde então a devoção foi se consolidando entre a população valenciana. Mesmo quando em 1799, o povoado foi elevado à categoria de Vila, recebendo o nome de Vila Nova Valença do Sagrado Coração de Jesus, a Senhora do Amparo continuou sendo considerada e reverenciada como Padroeira da cidade, apesar da Freguesia e da Igreja Matriz ser do Sagrado Coração de Jesus e este, portanto, deveria passar a ser o Padroeiro.

 

BARBOSA, Nelma. Igreja Nossa Senhora do Amparo, aquarela, 2020

A capelinha de desenho simples passou por sucessivas reformas, ainda no século XVIII e no século posterior, até tornar-se a imponente Igreja no alto da colina sagrada, cuja arquitetura vem sendo preservada até hoje. No século XIX, a Igreja do Amparo recebeu a visita do imperador do Brasil, D. Pedro II, que fez comentários acerca de sua localização, vista e estrutura.

 

A Festa de Nossa Senhora do Amparo é realizada anualmente no mês de novembro e está inserida no calendário da cidade, mas sobretudo no imaginário da população valenciana. Localizada no alto de uma colina, a “igreja destacada qual farol à beira mar”[2] possibilita uma visão panorâmica de toda a cidade e tem sua frente voltada para o rio em cuja cabeceira localiza-se a atual fábrica de tecidos, ao tempo em que se avistam as ruínas da fábrica velha.

 

A posição da igreja não é mero acaso, haja vista a Senhora do Amparo receber, nesta cidade, o título de Padroeira dos Operários e ter sido destes – durante muito tempo – a responsabilidade pela organização da Festa.

 

Vista da fábrica de tecidos (Valença-BA). Fonte: Link

Para os operários da C.V.I. preparar a Festa da sua Padroeira era momento de graça. A colocação do palanque e das barracas; a iluminação da igreja; a preparação das noites de novenário, as celebrações e a procissão no dia da Festa; as bandas e artistas que se apresentavam; em tudo tinha a participação dos operários.

 

Portanto, a Festa era preparada em todos os sentidos e nenhum aspecto ficava de fora. Bem mais que isso, a festa possui um significado lúdico que possibilita a abstração das pessoas da sua rotina diária. É momento de alegria rara e que, por isso, deve ser muito bem preparado. “Sem a festa o mundo não sobrevive: perde o alimento de sua origem, a graça que a presença divina lhe dá… Mundo sem festa é imundo. Mas quando festejamos, a vida o aviventa…” (SERRA, 1994, p. 16). Tudo era minuciosa e carinhosamente preparado.

 

O domingo que antecede a primeira noite do novenário foi assimilando uma tradição que atualmente já faz parte do imaginário e expectativa popular: a lavagem do Amparo. Este momento conta com a participação de diversos grupos culturais locais, bem como das e dos integrantes das religiões de matrizes africanas existentes em Valença.

 

Candomblecistas participando da procissão. Autor: site Atualiza Bahia
Candomblecistas fazendo a lavagem do adro da Igreja do Amparo. Autora: Vanessa Andrade (site Baixo Sul em Alta)

As festas populares conseguem abarcar uma diversidade que possibilita essa junção de elementos presentes no cotidiano popular. Conforme José Dalvo Paixão, “…Assim como na Festa do Bonfim, as baianas também lavavam a Igreja do Amparo… E não era só as escadas, como hoje, não… era dentro da igreja…”[3]

 

O ponto de partida pode até variar, ao longo do tempo, seja a Praça da República, a Orla Fluvial ou a Praça Getúlio Vargas, na Vila Operária, mas o ponto de chegada não se altera: a colina sagrada. O cortejo percorre as principais ruas do centro da cidade, transformando-as num tapete branco, conduzindo fé, devoção e tradição e culminando num banho de alegria, no alto do Amparo. As baianas lavam as escadarias, banham as pessoas, cantam, dançam e celebram o início da festa.

 

Porém, o ponto alto da festa é a procissão. Uma procissão tanto pode ter caráter penitencial como festivo e, normalmente consegue contar com a participação da grande maioria do povo da cidade. Mary Del Priore (1994, 23) ressalta que a instituição das procissões em festas religiosas, aqui no Brasil, se deu a partir do governo geral de Tomé de Sousa e afirma que “a difusão das procissões, em dias de festa religiosa, colocava em evidência a mentalidade das populações, que viam no rito processional uma função tranquilizante e protetora”.

 

Procissão de Nossa Senhora do Amparo. Fonte: Link

Noutro sentido, a festa também é momento de encontro e reencontro dos familiares e amigos distantes. Por ser o dia da festa um dia solene, todos fazem questão de estar presentes. E assim, entre cantos e orações, um abraço saudoso em quem veio de longe.

 

No imaginário popular, a Padroeira – Nossa Senhora do Amparo – constitui-se em intermediária entre Deus e a pessoa, a intercessora. Como é expressado no Hino: “Oh! Senhora do Amparo, nos conduz ao sumo bem; tua prece é a escada, que nos leva ao céu. Amém!”[4] Portanto, ela limpa a sua vida e por isso, ao menos uma vez por ano, é preciso dar-lhe algo em troca. É preciso festejá-la.

 

Frente da Igreja de Nossa Senhora do Amparo (Valença-BA) no dia da Festa. Autora: Indinéia Paixão, 2017.

A riqueza da simbologia do imaginário popular proporciona à Festa do Amparo brilhos e tons variados. Cada reflexo desse prisma revela a diversidade de intenções que levam o povo valenciano a participar de sua Festa. Alegria ou dor, saúde ou doença, fartura ou privação são possíveis motivações presentes nos pedidos e promessas feitas à Nossa Senhora do Amparo. Daí provém o sentido do seu compromisso com a Padroeira. Neste sentido, agradá-la é fundamental. “Saudamos a presença da Rainha Mãe de Deus, do seu trono de Valença ela atrai os filhos teus”[5]

 

Por: Indinéia Ramos Paixão, docente de História no IF Baiano, Campus Valença, mestra em Ensino de História (PROFHISTORIA/UNEB)

 

[1]Hino de Nossa Senhora do Amparo.
[2]Hino de Nossa Senhora do Amparo.
[3]José Dalvo Paixão, 61 anos, morador da cidade de Valença – Bahia, trabalhou como chefe de publicidade nas Festas de Nossa Senhora do Amparo. Entrevista cedida em agosto de 1997.
[4]Hino de Nossa Senhora do Amparo.
[5]Hino de Nossa Senhora do Amparo.

 

Quer saber mais?

 

Valença como Amparo. CLIPE Os Aimorés

 

Memorial Amparo – Acervo digital da Padroeira de Valença/BA, Nossa Senhora do Amparo

 

PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da fábrica: idas e vindas de operárias(os) têxteis em Valença-Bahia (1950-1980). Dissertação (Mestrado em História). FFCH-UFBA, Salvador, 2006.

 

SERRA, Ordep. O Povo de Santo e o Mundo da Festa (in) Revista Tempo e Presença: Da Arte, Da Festa, da Mística. Nº 275.1994.