Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Quilombo Pesqueiro Graciosa (Taperoá-Ba)

Por volta de 1840, a comunidade Graciosa se formou por pessoas escravizadas que chegaram para trabalhar na Fazenda Olaria, no engenho de cana – de – açúcar e em outros cultivos agrícolas. Depois de alguns anos, o empreendimento faliu e o povo que já ocupava as terras começou a plantar para manter suas famílias. Essa fazenda era o espaço mais ocupado pela população de Graciosa porque sempre foi uma terra fértil que permitia grandes produções de mandioca, dendê e arroz.

 

A fazenda era também a moradia dessas pessoas, ou seja, era onde se concentrava o povoado da comunidade Graciosa. Até que começa o conflito por terra, porque um fazendeiro cresceu o olho nas terras e começou a querer tirar os moradores dali à força, e o povo resiste! Mas, naquele tempo, as leis só funcionavam para os brancos, e que tinham poder aquisitivo. Do outro lado, só existia a força de um povo sem muito conhecimento no que diz respeito à legislação. Entretanto, tinha conhecimentos ancestrais e resistiram o quanto puderam. O fazendeiro atacou num dia considerado sagrado, em que a tradição local era professar a fé, e logo depois que a maioria das pessoas saiu para rezar. A fazenda foi invadida pelos capangas que tiraram as poucas pessoas do povoado pelo uso da violência física. Muitos tomaram tiros de pistolas e foram expulsos do lugar que hoje chama – se Fazenda Graciosa.

 

Estuário de Graciosa (Foto: Barbara Sacramento)

O povo que sempre ouviu essa e outras histórias contadas oralmente pelos mais velhos, se revoltou quando viu parte do território sendo invadida de novo. A única área do território que era de livre acesso, voltada para uso coletivo e que garantia o pão de todos os moradores da comunidade: as áreas da beira do mangue. Os quilombolas retomaram seu território depois de perceber o quanto seus direitos foram violados. Depois da retomada, contou-se com o apoio de algumas organizações como a Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais – AATR. A partir deste apoio dos advogados, começamos participar de intercâmbios com outras lideranças de comunidades com realidades diferentes que acaba sendo a mesma luta por território; formações como o curso de “Juristas Leigos”, feito durante sete meses. Essa formação foi oferecida para disseminar e fortalecer o conhecimento legislativo, a fim de contribuir para a formação de lideranças baseadas nos seus direitos territoriais.

 

A comunidade Pesqueira e Quilombola Graciosa localiza-se no Território do Baixo-Sul da Bahia. O Quilombo Graciosa é uma comunidade formada por 547 habitantes (segundo os dados da Secretaria de Saúde de Taperoá) que, em sua maioria, vive da pesca artesanal e da mariscagem.

 

Assim como o Quilombo dos Palmares, o Quilombo Graciosa também sempre teve a agricultura como um norte, as hortas e ervas medicinais sempre foram essenciais na vida de todo o povoado. É um território que ainda está preservado, mas para garantir sua preservação há muitos conflitos por conta de alguns empresários que tentam implantar empreendimentos monstruosos. São monstruosos porque vem tentando tirar o direito dos moradores de produzir e garantir sua alimentação saudável, pois tais tem por consequência a contaminação do meio ambiente e afetam o direito de ir e vir por conta das cercas no território e nas águas.

 

A valorização da tradição da pesca artesanal, da mariscagem, da cultura, da oralidade e a atenção às crianças e jovens são princípios que norteiam as atuações da nossa Associação. A oralidade é a forma de comunicação mais importante em nosso território por ser a linguagem dos nossos ancestrais.

 

A culinária local revela fortemente a nossa herança ancestral. Alguns pratos surgiram da necessidade de alimentar-se com recursos parcos, a exemplo da moqueca de ostra com mamão verde. Trata-se de um prato saboroso, mas surgiu para alimentar a quem tem fome, sem deixar ninguém para trás.

 

O saber ancestral também se revela nas edificações. Passamos a realizar mutirões com maior frequência após passar por algumas dificuldades no território. Foi preciso ouvir atentamente a voz ancestral que nos ensinou a reconstruir aquilo que nos garante novas formas de alimentação saudável, como horta e casa de farinha comunitárias, entre outros conselhos.

 

A educação nas comunidades tradicionais e para os povos originários ocorre de várias maneiras. Ela está entrelaçada com a cultura e tradição: os primeiros passos da educação não acontecem no espaço escolar, pois antes de ir numa sala de aula as crianças já tem um saber que foi passado dos que lhe antecederam. Nós lutamos para que esses saberes sejam respeitados porque a sociedade é formada pela diversidade.

 

Por: Bárbara Sandra de Jesus Sacramento, mulher preta, pescadora quilombola, militante, discente da Licenciatura em Pedagogia (UNEB), parte da diretoria da Associação de Pescadores e Pescadoras Quilombolas de Graciosa (APPQG) e da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP).

 

Quer saber mais?

 

https://www.redalyc.org/artticulo

 

https://photos.app.goo.gl/Kaje5fyfUSxNUZ4Z9

 

BA – Pescadores e quilombolas da Comunidade de Graciosa lutam pelo direito ao território tradicional – Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil

 

JESUS, Barbara S. Sacramento. EDUCAÇÃO E SABERES ANCESTRAIS: um estudo na Comunidade Pesqueira e Quilombola Graciosa em Taperoá (BA). 2022

 

PORTO, José Renato Sant´Anna. Expansão do turismo, conflitos territoriais e resistência no Baixo Sul da Bahia. Revista Del CESLA, num.23, 2019