Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Galeão, comunidade quilombola (Cairu-Ba): Um Recanto da História

Foto: David Vargas Out/2020

A comunidade de Galeão está situada ao norte do município de Cairu, que a fica aproximadamente 175 km da capital baiana. Esta pequena comunidade na contra costa da Ilha de Tinharé, apesar de ser vizinha do Morro de São Paulo, famoso destino turístico, leva uma vida modesta e tem como principal atividade econômica a pesca, a mariscagem e o extrativismo da piaçava.

 

Tais atividades são seculares heranças quilombolas. Conforme menciona o arqueólogo Fabio Guaraldo Almeida (2018), diversos acampamentos de pescadores e marisqueiros ainda hoje existentes na ilha, foram inicialmente montados por quilombolas, escravizados e forros para serem os lugares de trabalho, sociabilização e refúgio.

 

Galeão é habitado por remanescentes quilombolas, que possivelmente descendem da etnia bantu, contudo, há a participação de outras etnias africanas, visto que os quilombos recebiam fugidos de grupos variados. Além destes, também indígenas e europeus (donos de fazendas locais), tiveram sua participação na construção desta população. Este povoamento atualmente tem uma população com cerca de 2.800 mil habitantes (dado baseado no cadastramento de imóveis pela rede municipal de saúde em 2022), com predominância de negros. Segundo o IBGE (2010) a população é formada por 64% dos que se declaram negros, 31% de pardos e 5,6% de brancos.

 

Acredita-se que a comunidade teve início ainda no séc XVII, considerando registros da edificação de uma capela em 1623, vindo a se tornar a Igreja de São Francisco Xavier, em 1644. A localização estratégica do povoado foi fundamental, pois está de frente para o continente, com acesso rápido à Vila de Valença.

 

Considerando evidências levantadas pela pesquisa de Almeida (2018), em 1833, o povoado foi elevado à condição de distrito do Galeão, como uma tentativa de controlar a circulação dos escravizados fugidos. Segundo ele, existia por parte das autoridades uma preocupação com a facilidade que os fugitivos circulavam pela região, indo entre as ilhas e vilas existentes, estimulando novas fugas e a formação dos quilombos. Em Galeão especificamente, a pesquisa identificou vestígios de dois quilombos: o Champrão e o Iquira.

 

Cientes da ameaça que sofriam com os crescentes aquilombamentos, um ano antes da patrulha iniciar suas atividades em Cairu, Galeão já como distrito-sede, recebeu um Juiz de Paz que atuava em toda a Ilha de Tinharé e Boipeba. A sede deste distrito embora fosse pouco habitada, era formada por fazendas que começavam na parte costeira e adentravam as matas pouco exploradas. Apesar disso, devido sua posição estratégica por estar próxima ao continente e no meio do caminho entre Cairu e o Forte do Morro de São Paulo, chegou a ter calendário semanal de duas feiras ocorridas em locais e dias diferentes.

 

Por ser desprovida de praias, Galeão sofreu menos interferências externas e especulação imobiliária, ao logo dos anos. Por isso, ainda consegue manter parte de sua cultura e recursos naturais que acabaram preservando esses sítios arqueológicos. Estes por sua vez, juntamente com os documentos confrontantes levantados pelo pesquisador, estão possibilitando a elucidação de uma História que até então era desconhecida pela própria região. Ao que tudo indica, Galeão teve uma importância significativa na história da população negra brasileira. Essa pacata comunidade atuou no suporte de muitos quilombos e permanece sendo referência da resistência e resiliência afro-brasileira.

 

Por: Silvio Campos Silva, Servidor Público Municipal de Cairu e historiador autodidata e Silvana Campos da Silva, socióloga e mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social (Fundação Visconde de Cairu). Os autores são habitantes e descendentes de Galeão, cresceram ouvindo as histórias orais e narrativas dos mais velhos e contribuíram com as pesquisas científicas citadas.

 

Quer saber mais?

 

EXPEDIÇÃO GALEÃO

 

http://gshow.globo.com/Rede-Bahia/Aprovado/videos/v/confira-o-terceiro-espisodio-da-serie-quilombos-da-bahia/4265153/

 

ALMEIDA, Fábio Guaraldo. A dinâmica da paisagem quilombola a partir dos sítios históricos e relações dos afrodescendentes da comunidade de Galeão, na ilha de Tinharé, Bahia: uma abordagem interdisciplinar entre arqueologia, história e etnografia. Estado de S. Paulo, SP, jul/dez de 2018. Especiaria: Caderno de Ciências Humanas. Disponível em: https://periodicos.uesc.br/index.php/especiaria/article/view/2580. Acesso em 23. Fev. 2023.

 

____________,Fabio Guaraldo; Campos, Silvio. Fontes d’água: sítios históricos para pensar sobre o processo de formação do atual núcleo de moradia da comunidade quilombola de Galeão, Cairu (BA). BRASILIANA: Journal for Brazilian Studies. ISSN 2245-4373. Vol. 9 No. 2 (2020).

 

___________,Fabio Guaraldo; Pedroso, Michelle Borges; Campos, Silvio. Arqueologia, comunidade, ancestralidade e outros assuntos para pensar a identidade quilombola. R. Museu Arq. Etn., 34: 194-205, 2020.