Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Santidade de Jaguaripe

Dança tupinambá de John White, gravura de 1580 presente no Museu Britânico.

Santidade é uma “expressão” ou “termo” comumente utilizado nas narrativas missionárias e crônicas quinhentistas, que no século XVI designava movimentos indígenas de cunho político e religioso, os quais desenvolveram formas de resistência e ação política indígena ao colonialismo. Ao desafiar a catequização e propor um “outro mundo possível” em que a experiência da escravidão seria revertida para os colonizadores, estes movimentos causaram profundo desassossego a senhores de engenho, autoridades régias e representantes eclesiásticos que viam na sua propagação uma ameaça aos empreendimentos coloniais.

 

Tudo começou por volta de 1580 quando Antônio Tamandaré, um caraíba, que era um líder espiritual, mas que em determinados contextos também agregava liderança política, fugiu de um aldeamento jesuítico em Tinharé, na região de Cairu, para o sertão do Orobó, localizado ao centro-norte da Bahia entre os atuais munícipios de Ipirá, Itaberaba e Serra Preta. Nesse sertão, Antônio começou a propagar sua mensagem contra a catequese e acabou por atrair muitos outros indígenas, que construíram uma comunidade na qual desfrutavam de certa liberdade para prática de cultos, ritos e costumes que invertiam o catolicismo aprendido nos aldeamentos. Era um processo de apropriação, mas sobretudo de contestação, dado o contexto em que estavam inseridos, já que a maioria dos membros da Santidade eram fugitivos de aldeamentos e fazendas de engenhos, esses últimos majoritariamente escravizados tanto da terra (escravizados indígenas) quanto de Guiné (escravizados africanos).

 

Atraído pela possibilidade de ampliar a mão de obra em sua propriedade Fernão Cabral de Ataíde, poderoso senhor de engenho em Jaguaripe, enviou uma expedição comandada pelo mameluco Domingos Fernandes, Tomacaúna, até o sertão e após quatro meses de convivência com os membros da Santidade conseguiu descer parte da comunidade para as terras do senhor de engenho. Estando nas terras de Jaguaripe continuaram praticando seu culto abertamente e atraindo para ali outros índios e negros de Guiné. Profundamente incomodado com essa situação o então governador geral Manuel Teles de Barreto enviou uma expedição armada para destruir a Santidade, mesmo com a contenção do principal grupo que estava em Jaguaripe, a Santidade já tinha se propagado em outros espaços, como Matoim, Sergipe do Conde, Paripe e Cachoeira, e continuou (r)existindo até meados o século XVII.

 

Por: Jamille Macedo Oliveira Santos

 

Quer saber mais?

 

Indígenas e Africanos no Baixo Sul: Revoltas, Escravidão e Liberdades

 

CALASANS, José. Fernão Cabral de Ataíde e a Santidade de Jaguaripe. Salvador: EDUNEB, 2011.

 

METCALF, Alida. Os papéis dos intermediários na colonização do Brasil. Tradução Pablo Lima. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2019.

 

SANTOS, Jamille Macedo Oliveira. Ecos da liberdade: profetismo indígena e protagonismo tupinambá na Bahia quinhentista. Salvador: EDUFBA, 2019.

 

SZTUTMAN, Renato. O Profeta e o Principal: a Ação Política Ameríndia e seus personagens. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

 

VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.