No entardecer de um ensolarado sábado de fevereiro, um som crescente competiu com o sufocante calor do estio. Aos poucos, domina a atmosfera e os sentidos. Que força é essa que se impõe a todos, desregrando a paz das casas com a ousadia de gritar, pelas ruas, a felicidade, os desejos, as desgraças do cotidiano? Seria preciso sair para testemunhar o delito, a ausência do aparato de segurança pública, a revolução deflagrada. Diante da incredulidade dos espectadores, desfilava um pequeno grupo de pessoas, ostentando um colorido ameaçador em seus trajes, com um triste brilho travestido, humildemente, de luxo. Uma leitura popular sobre o significado da elegância.
Era a Escola de Samba Filhos de Mangueira, agremiação carnavalesca fundada em 05 de maio de 1957 por Edvaldo Manuel dos Anjos, conhecido como “Seu Vardinho”, e “Seu Bié”, ambos moradores do bairro do Tento e amigos de sambas e sonhos.
O nome da escola de samba vem, como supõe-se, da admiração dos seus fundadores pela famosa escola carioca, Estação Primeira de Mangueira.
Hoje, a escola é presidida pelo filho de “Seu Vardinho”, um dos fundadores.
O seu nome de batismo é Luís Carlos Manuel dos Anjos. Católico devoto, mas segundo as suas próprias palavras, frequentador, também, de outros espaços religiosos de comunhão com Deus. Ou seja, aberto a outras interpretações da vida. Não dispensa um caruru.
Entretanto, o seu “nome social” (sem procurar oficializar isso) é Luís do Ventilador ou Luís do Boi (esse último, declarou explicitamente não gostar muito). Nascido em 23 de janeiro de 1962, é filho de Edvaldo Manuel dos Anjos e D. Maria de São José.
Nascido em Valença, Bahia, nunca a deixou por completo, pois esse é o lugar que o moldou e o define.
Artista valenciano, trabalha em seu ateliê, um pequeno cômodo de frente para a principal rua do bairro do Tento, entre peças de ventiladores e esculturas com temáticas diversas.
A Escola, hoje, não possui uma sede, sendo administrada da sua residência e local de trabalho, na Rua Visconde de São Lourenço, bairro do Tento, mesma rua onde está localizado um imóvel, abandonado, que era alugado para servir de sede, no passado. Essa antiga sede foi devolvida aos seus proprietários, pois não tinha condições de continuar pagando a locação.
Nos áureos tempos, a Escola de Samba desfilava às margens do Rio Una, na Praça das Pernambucanas (Calçadão), em frente à Prefeitura…. Locais que, à época, eram pontos tradicionais da cidade.
Uma das figuras mais marcantes no desfile da Escola, até hoje, é um ícone LGBTQIAP+, figura folclórica do bairro do Tento, conhecido como Maroca.
Muitas dificuldades, além das financeiras, a Escola de Samba Filhos de Mangueira enfrenta. Uma delas, é a intensa migração das famílias, nas últimas décadas, para as religiões denominadas evangélicas. Isso afastou diversos membros e criou uma barreira para a renovação dos participantes. Um outro obstáculo é a violência. A cidade, dividida entre facções criminosas rivais, vivencia o medo.
A Escola de Samba Filhos de Mangueira resiste. Resiste ao vírus, à falta de reconhecimento e incentivo das esferas governamentais, ao preconceito contra as manifestações populares, especialmente as oriundas de matrizes africanas, à ignorância que marca a história do país.
Ela é uma manifestação do seu povo, expressão genuína da sua luta em busca da alegria que a realidade tenta negar a todos. Expressão legítima e sagrada da sua festa.
Por: Natan Costa, advogado, educador popular, concluinte da pós-graduação em Relações Étnico-raciais e Cultura Brasileira na Educação (REAFRO), servidor público no IF Baiano Campus Valença.
Escola de Samba Filhos de Mangueira
Carnaval Cultural. Filhos de Mangueira é resistência
SILVA, Natanael Costa da. Escola de samba Filhos de Mangueira: Uma história de resistência. 2020. Trabalho apresentado para requisito parcial para aprovação na Disciplina Artes Negras da Especialização Lato Sensu em Relações Étnico Raciais e Cultura Afro-Brasileira, Campus Valença, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano.
Projeto conduzido pelo Grupo de Pesquisa NEABI do IF Baiano (CNPq), sob coordenação das docentes Dra. Nelma Barbosa e Ma. Scyla Pimenta, no âmbito do curso de Especialização em Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-brasileira na Educação (REAFRO) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (IF Baiano Campus Valença).
Contato: nelma.barbosa@ifbaiano.edu.br