A mariscagem é uma tarefa que faz parte da pesca artesanal. O ofício de mariscar consiste na captura e beneficiamento de animais aquáticos como sirís, caranguejos, ostras, aratus, entre outros mariscos. Ao longo da história do Baixo Sul da Bahia, esse tipo de atividade é exercida majoritariamente por mulheres e está intrinsecamente ligada ao fazer com as mãos e ao contato e dependência com outros sistemas vivos da natureza, pois se trata de uma tarefa que depende das marés e da preservação dos mangues.

No município de Valença (BA), a mariscagem existe há muito tempo e, é exercida por uma maioria de mulheres negras. Nota-se que a maior parte delas apresentam idade entre 10 e 59 anos e criam sozinhas os seus filhos. Esse grupo social compõe-se de pessoas oriundas das camadas populares, residentes em bairros periféricos e socialmente vulneráveis. Elas apresentam experiências de vida bem parecidas. A grande maioria iniciou na atividade econômica de mariscagem por necessidade, uma vez que são as principais responsáveis por desempenhar o papel de gerir e sustentar a casa.

A mariscagem é um trabalho que exige grande esforço físico. As ferramentas utilizadas na coleta dos mariscos basicamente são: facas ou facão para mariscos incrustados, balde, redinha, redinha cata-cata, bicheiro (pau com um pedaço de arame envergado na ponta), samurá ou samburá (tipo de cesto), canoa ou barco de fibra. Para o processo de beneficiamento usa-se panelas, sacos plásticos de um quilo para armazenamento e fogão à lenha, tudo em cozinha doméstica e de forma tradicional. É importante salientar que as marisqueiras são protagonistas de todas as fases de manipulação do marisco, desde a coleta até a comercialização do produto.

Os saberes utilizados pelas marisqueiras são construídos oralmente, por meio das experiências de vida. Como por exemplo, o desenvolvimento da percepção dos sinais da natureza, tais como: identificação das horas simplesmente por olhar a direção do sol; correlação do ciclo de vida das mutucas (insetos que vivem sobre a vegetação aquática) com a maré enchendo, entre outros aspectos. As marisqueiras também têm um enorme conhecimento acumulado referente à matemática, uma vez que usam os cálculos matemáticos em diversos contextos de suas práticas de trabalho.

Aprende-se a arte de mariscar a partir da observação e do aprender fazendo. A transmissão desses conhecimentos se dá a partir de mães para filhas ainda bem novas. Estas acabam dando continuidade ao ramo como projeto de vida profissional por causa da falta de oportunidades. Apesar de ser o meio de sustento de muitas famílias e mobilizar muitos saberes, o mariscar possui pouco reconhecimento e prestígio social.

As lutas das marisqueiras resultaram em registros nas Colônias de Pesca, Sindicatos e Associações. Assim, conseguem garantir políticas públicas que asseguram proteção social (benefícios como a aposentadoria, seguro-defeso, etc) e ações de cuidado à saúde dessas mulheres. Mesmo com essas garantias, a luta das mulheres marisqueiras é constante para que seus direitos enquanto cidadãs sejam respeitados ou implementados de forma correta.

Autora: Telma Maria Pereira dos Santos (pedagoga, especialista em História e Cultura da África e Indígena (IF Baiano), mestranda em Educação e Tecnologia (UNEB) e docente na Secretaria Municipal de Cairu (BA).

Quer saber mais?

BANDEIRA, F. P. S. de F.; BRITO, R. R. C. de. Comunidades pesqueiras na Baía de Todos os Santos: aspectos históricos e etnológicos. In: CAROSO, C et al. (Orgs.). Baía de Todos os Santos: Aspectos Humanos. Salvador: EDUFBA, 2011.

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CARVALHO, I. G. S. A percepção da marisqueira sobre o seu direito a um meio ambiente de trabalho saudável e as normas do direito ambiental do trabalho brasileiro. Dissertação (Mestrado em Saúde, Ambiente e Trabalho) – Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

SANTOS, T. M. P. Trajetória de mulheres negras na pesca artesanal do Mangue Seco em Valença-BA. Monografia (Especialização Lato Sensu em História da África, Cultura Afro-brasileira e Indígena) – Campus Governador Mangabeira, Instituto Federal Baiano, Governador Mangabeira – BA, 2018.

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