Baixo Sul da Bahia: Território, Educação e Identidades

Torrinhas, comunidade quilombola (Cairu-Ba)

O finado Anselmo que era meu tio, era empregado da Pau Seco, o primeiro empregado da Torrinhas e Pau Seco era o finado Anselmo, irmão da minha avó, entendeu? Minha avó chamava Joana! E o finado Anselmo era irmão de Joana. […] Você não vê ali a família de Gaida e esse pessoal tudo? O finado Lucio era irmão de Anselmo. É tudo parente, é tudo parente!”
(Bernadina Serapião dos Prazeres, moradora de Torrrinhas, 84 anos; 2011).
Fonte: Acervo pessoal de Dona Maria de Nazinha, moradora local

Quando Dona Bernadina chegou na fazenda Pau Seco, junto com sua mãe, irmãos e padrasto haviam vindos dos quilombos de Jatimane e Boitaraca, ela já estava no início de sua adolescência. Ao convite do seu tio-avô Anselmo, a família foi morar em uma das casas feitas de piaçava e barro da fazenda. Assim como sua mãe e tios, Dona Bernadina nasceu no quilombo de Jatimane, originária de negros fugidos.

 

Na fazenda, em um grande trapiche feito de piaçava, as mulheres e crianças dividiam as suas atividades. Tudo que era produzido na Pau Seco era comercializado, principalmente, na cidade de Taperoá. Mas ao norte, num pequeno povoado de aproximadamente quatro casas, vivia da pesca, caça e da mariscagem a futura sogra de Dona Bernadina, Dona Nascimenta que junto com sua família dedicava-se a essas atividades sem nunca ter trabalhado na fazenda Pau Seco. Outras famílias também viviam no povoado “um lugar chamado Torrinhas” (nome conforme consta no registro de terras do convento de Cairu-Ba) e não se dedicavam exclusivamente ao trabalho nessa fazenda. Lucio, irmão de Anselmo e pai de Dona Gaída, citada por Dona Bernadina, é um exemplo disso.

 

A narrativa que via Anselmo como um dos responsáveis da fazenda Pau Seco, nos leva a acreditar que como coiteiros os donos da Pau Seco poderiam ter se beneficiado da mão de obra de escravos fugidos, Anselmo na fase adulta, nascido no quilombo de Jatimane, já tinha um cargo de confiança na fazenda, e seu irmão Lucio tinha residência estabelecida nas terras de Torrinhas. Caso tenha ocorrido dessa maneira para chegar até a fazenda os moradores de Jatimane iam a pé até o quilombo de Boitaraca, onde mora uma parte dos irmãos Rosário, (formadores do quilombo de Boitaraca), e depois atravessavam de canoa até a Boca da mata, como os torrinhenses chamam a margem do rio que dava acesso à fazenda Pau Seco. Muitos dos trabalhadores da fazenda firmaram residência em Torrinhas para facilitar o trânsito entre “suas casas” e o local de trabalho, a fazenda Pau Seco.

 

Atualmente Torrinhas é um povoado de aproximadamente 300 pessoas, somando 106 famílias, a piaçava, o dendê, a pesca e a mariscagem continuam sendo fonte de renda para a comunidade que a pelo menos duas décadas também conta com o turismo como renda.

 

Muitos traços marcam o memorial da comunidade que atualmente é majoritariamente evangélica, em seu memorial consta a queima da palha, costume da época em que dona Bernadina era mais Jovem, que consiste na queima das palhas de samambaia que formava o presépio, a queima se dava no dia 06 de janeiro em comemoração ao dia de reis, a Mariana comemorada no final de cada ano, e o bumba-boi comemoração que era marcada com muito samba de roda. Apesar de majoritariamente evangélica, Santa Bárbara continua sendo a padroeira local e sua igrejinha continua viva até os dias atuais. Torrinhas se certificou como comunidade quilombola em 2006, movimento que levou a comunidade a rever muito da sua cultura atual em confronto as antigas práticas, dentre eles a ancestralidade negra escravizada que no primeiro momento a comunidade negou. Os torrinhenses, hoje, conseguem se ver como negros e contam com orgulho o passado de formação da comunidade. Porém a religião atual, evangélica, faz com que a maioria de seus moradores neguem o candomblé como cultura histórica, no entanto seu passado nos revela uma grande história de formação quilombola.

 

Por: Daniela Santos do Rosário, quilombola, licenciada em História com especialização em coordenação pedagógica e gestão educacional, Mestra em Estudos Étnicos e africanos pela UFBA.

 

Dendezal em Torrinhas (Foto: Nelma Barbosa, 2022)
Porto de Torrinhas (Foto: Nelma Barbosa, 2022)
Escola Quilombola Angelina Pacheco (Foto: Nelma Barbosa, 2022)

 

Quer saber mais?

 

Torrinhas – Bahia

 

O’DWYER, Eliane Cantarino. Terras de quilombo: identidade étnica e os caminhos do reconhecimento. TOMO São Cristóvão-SE. 2007.

 

REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1989.

 

REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do oitizeiro – Bahia, 1806. In.______________Liberdade por um Fio: História dos quilombos no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

 

Rosário, Daniela Santos do. Pertencimento e posse Um conflito na comunidade quilombola de Torrinhas, Cairu-Ba. II simpósio baiano de geografia agrária; entre a teoria e a pratica articulações e resistências. Salvador.2017.

 

Rosário, Daniela Santos do Rosário: Um quilombo – identidade e política pública/privada na comunidade remanescente quilombola de Torrinhas, Cairu-BA. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) – Centro de Estudos Afro-Orientais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.