Em lugares onde a escravidão vigorou, ocorreu uma série de tensões sociais, embates e disputas, desencadeando conflitos, laços sociais e, ao mesmo tempo, criando novos significados e expectativas de sobrevivência para escravos e libertos. Em Valença, Bahia, não poderia ser diferente.
A cidade serviu como retaguarda agrícola, por isso a maioria dos escravizados eram lavradores no cultivo de alimentos (cacau, café, coco, mandioca, entre outros) ou em serviços domésticos. Porém, os principais itens da alimentação dos trabalhadores eram a carne, a farinha e a rapadura.
Na escravidão valenciana, as senzalas não seguiram um padrão único. Algumas eram pequenas casas de taipa, cobertas de telha ou de palha também conhecida como ‘rancho’ e abrigavam tanto solteiros, como os que tinham famílias.
Entre os escravocratas da região, predominavam pequenos e médios proprietários, em sua maioria, homens pobres que viviam da lavoura e utilizavam o trabalho escravo, de libertos e livres em suas plantações. Essa diversificação da mão de obra empregada, assim como a falta de um feitor para fiscalizar o trabalho cativo, acabou por deixar mais próximos senhores, escravizados e os demais indivíduos da sociedade.
No período em que se contextualiza a derrocada do sistema escravista, muitas vezes foi necessário aos senhores a realização de negociações e acordos com seus escravizados para que o próprio sistema se sustentasse. Esses acordos estavam dentro de uma política em que os senhores valencianos buscavam manter o domínio das pessoas escravizadas concedendo-lhes benefícios, em ações vistas como “paternais”. Para eles, essas articulações objetivavam dominar os cativos de forma silenciosa, disfarçada, pois os “benefícios” (ou o medo de perdê-los) se tornavam fortes elos de ligação entre senhor e escravo. Tal temor influenciava as atitudes dos cativos na hora de cometer revoltas, rebeliões e ações mais violentas contra os “proprietários”.
Alguns daqueles acordos/concessões ocorriam principalmente para que os sujeitos permanecessem nas lavouras e aumentassem a sua produtividade e a margem de lucro.
Entretanto, é possível interpretar que os usos dessas negociações foram fundamentais para que os escravizados conquistassem espaços de mobilidade e autonomia decisivos para sua sobrevivência e relativa ascensão econômica e social.
A História de Valença, na Bahia, e os estudos sobre a temática da escravidão trazem os indígenas, africanos e seus descendentes enquanto protagonistas de suas histórias.
Porém, notamos que embora a cidade possua um amplo leque de fontes, existe ainda uma carência de estudos históricos, sobre ela, durante o século XIX e mais ainda sobre a escravização de afro-ameríndios no lugar.
Por: Claudiana dos Santos Cardoso, historiadora e especialista em História da África, da Cultura Africana e Afro-Brasileira (UFRB), mestra em História (UNEB) e professora substituta do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT).
Indígenas e Africanos no Baixo Sul: Revoltas, Escravidão e Liberdades
Histórias de mulheres negras para sala de aula – Jesuina e Dorothea Nagô da Vila de Valença em 1861
CARDOSO, Claudiana dos Santos. Experiências do cativeiro: escravidão, conflitos e negociações em Valença – Ba (1850-1888). Santo Antônio de Jesus, 2017. Dissertação apresentada ao curso de Pós-graduação em História da Universidade Estadual da Bahia-UNEB – CAMPUS-V.
______________. Escravidão Nas Terras Do Una: Histórias de escravos e libertos nas zonas rurais de Valença-Ba (1850-1888)”. IN: Tramas negras: história, antropologia e educação para as relações raciais. Cruz das Almas-Ba. Ed 1. EDUFRB. 2016.
_______________. Entre a escravidão e a liberdade: A história de Cândido, um escravo, filho ilegítimo e “quase livre”. In: Nas Margens do Tempo: Histórias em (Re)construção. Organizadores: Leonardo Leite, Lucas Café, Thiago Alberto Alvaes, Uelton Rocha. 1.ed. São Paulo. Editora: Hucitec, 2021.
OLIVEIRA, Edgard Otacílio da Silva. Valença: Dos primórdios á contemporaneidade. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, 2006.
SANTOS, Silvana Andrade. Moenda, Alguidar de Ferro e Demais Acessórios de Fazer Farinha. A produção de Farinha de Mandioca na Industrial Cidade de Valença (1850-1888). Monografia Defendida na Universidade do Estado da Bahia. Santo Antônio de Jesus, 2013.
Projeto conduzido pelo Grupo de Pesquisa NEABI do IF Baiano (CNPq), sob coordenação das docentes Dra. Nelma Barbosa e Ma. Scyla Pimenta, no âmbito do curso de Especialização em Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-brasileira na Educação (REAFRO) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (IF Baiano Campus Valença).
Contato: nelma.barbosa@ifbaiano.edu.br