O povoado de Nova Esperança é composto por cerca de 95 famílias. Distante a 290 km de Salvador e localizada na zona rural do município de Wenceslau Guimarães, Bahia, a comunidade fica próxima da Estação Ecológica Estadual Wenceslau Guimarães. O constante trânsito de profissionais da área ecológica no povoado favoreceu o despertar para o processo de reconhecimento enquanto lugar de reminiscências quilombolas e de uma constante luta pela sustentabilidade ambiental e identitária no lugar.
Nova Esperança é uma comunidade remanescente quilombola que se constituiu com o estabelecimento da família de Faustino José dos Santos (1875-1960), em 1928. Desde criança, ele e sua família trabalhavam escravizados no cultivo da cana-de açúçar no sertão baiano. Quando completou vinte anos, receberam o convite do líder Antônio Conselheiro para morar em Canudos, arraial situado ao norte do estado, considerado pelos historiadores como sendo o último dos grandes quilombos.
Com a deflagração da Guerra de Canudos (1896-1897), Faustino fugiu do conflito mais importante do período republicano brasileiro, a pé, carregando seus pertences em surracas (sacos) nas costas. O negro sertanejo Faustino era um dos poucos sobreviventes da famigerada guerra. Anos depois, constituiu uma família e se manteve trabalhando em fazendas como meeiro ou diarista. Vivendo em diferentes lugares, conseguiu amealhar recurso para comprar a porção de terra no Baixo sul da Bahia, originando a comunidade em questão. (MATOS, 2017; SANTOS, 2018; SANTOS, 2008)
Quando Faustino chegou na nova propriedade, ela ainda constava como parte do território do município de Nilo Peçanha. Inclusive, já havia pessoas morando no seu entorno, em casas de taipa com cobertura de palha. Aqueles moradores eram todos negros também. Faustino sentiu-se realizado nas novas terras por conta do sonho de ter um pedaço de terra própria e por isto ele nomeou o lugar de Nova Esperança, pois havia encontrado um lugar promissor. (SANTOS, 2018)
Ao rememorar a história local, os narradores exprimem relatos ouvidos e contados por Faustino dos Santos e Maria Antônia, sua esposa, sobre as suas vidas antes da chegada na região. Ao contar sobre as atividades desenvolvidas pelos seus ancestrais e como isso ainda se fazem presentes no cotidiano, a exemplo dos modos de produção, relações de trabalho, as atividades religiosas e culturais, reforçam o processo de identificação, afirmação e reconhecimento enquanto remanescentes quilombolas.
O processo de reconhecimento legal da comunidade teve início realmente a partir dos dados do Censo de 1988, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE que, ao pesquisar sobre o orçamento familiar, identificou na comunidade traços que remetiam às comunidades remanescentes de quilombo, tanto pelo grande índice de pessoas negras e de laços de parentescos, como pelo casamento entre as pessoas descendentes do mesmo tronco de Faustino José dos Santos. A comunidade configura-se como quilombo contemporâneo por apresentar atribuições que caracterizam o conceito socioantropológico e cultural expressadas no modo de vida dos moradores e no fenótipo majoritariamente negro.(SANTOS, 2018)
Conforme relatam os moradores, motivados pelas notícias que corriam sobre as características do lugar e das pessoas, representantes da Fundação Cultural Palmares vieram para o local e fizeram de 05 a 08 reuniões com os moradores. Os encontros aconteceram na Escola Faustino dos Santos para apresentar os conceitos contemporâneos de ser “quilombola” e também as políticas públicas que aquela população teria acesso a partir do reconhecimento legal. Tendo seguido os trâmites legais, a Fundação Cultural Palmares concedeu o título de Comunidade Quilombola aos habitantes de Nova Esperança, obedecendo o que rege o Decreto de 20 de novembro de 2003, publicado no Diário Oficial da União de 28 de novembro de 2007.
Os habitantes do lugar apontam ainda serem as tradições culturais da comunidade vestígios dos folguedos trazidos por seus ancestrais, tais como o samba de roda e as festas a Santo Antônio e a Nossa Senhora do Rosário. Porém, o Terno de Reis é o elemento cultural de maior visibilidade na comunidade.
Sambado de casa em casa, o Terno é um momento de reconfiguração e reestabelecimento dos vínculos de parentescos e comunitários, através da confraternização regada a muita comida e bebida. O evento é um anúncio de identidades da comunidade. Outro momento bastante significativo são os festejos para Nossa Senhora do Rosário, santa padroeira da comunidade, trazida pelos fundadores e tida como protetora dos pretos. Santo Antônio também é outro santo guardião, ele era o Santo de devoção da matriarca Antônia Maria, esposa de Faustino dos Santos. Durante as trezenas de junho, a comunidade fica em festa, pois alia os momentos sagrados com a quermesse, uma espécie de esquenta para os festejos de São Pedro, ocorrido no final do mês de junho.(SANTOS, 2018).
Matos (2017, p.44) acrescenta a introdução da reverência à Nossa Senhora do Rosário, cultuada frequentemente por comunidades negras no Brasil:
Os fundadores trouxeram na viagem um quadro da imagem de Nossa Senhora do Rosário, santa da qual eles também eram devotos. Em sete de outubro costumava vir um padre capuchinho da cidade de Jaguaquara – Bahia, chamado Alberico. Nessa oportunidade, o religioso rezava a missa e batizava as crianças. O quadro da santa ainda existe muito bem preservado até os dias de hoje, na igreja católica da comunidade.
Nossa Senhora do Rosário é tão importante para aqueles quilombolas que se tornou a santa padroeira da comunidade.
O protagonismo feminino em Nova Esperança é um fator que, historicamente, vem contribuindo para a manutenção de traços e identificações culturais. As mulheres assumem diversos papéis na comunidade, a maioria de liderança, pois são donas de casa, majoritariamente, base econômica da família, trabalhadoras rurais, líderes religiosas e comunitárias, professoras, rezadeiras e comerciantes do lugar, fortalecida nas atividades cotidianas. Entre as referências femininas da comunidade, figuram os nomes de Antonia Maria de Jesus (1871-1965), matriarca da comunidade, e Marcelina dos Santos, parteira, entre outras. (SANTOS, 2018)
No passado, a farinha de mandioca era o principal produto dos agricultores quilombolas. Atualmente, vivem principalmente da lavoura do cacau, da banana e da graviola, todas elas produzidas em escala comercial. Paralelo a estas culturas, têm ainda produções de subsistências, como o milho, a mandioca, laranja, feijão e criação de animais de pequeno porte para consumo próprio.
Por: Cledineia Carvalho Santos: Licenciada em Letras Vernáculas (UESB), Licenciada em História (Uneb); Mestra em Cultura e Sociedade (UFBA) e professora da rede pública municipal de Jaguaquara/BA.
RECEITAS DIRETO DE NOVA ESPERANÇA WENCESLAU GUIMARÃES BAHIA
Tradicional folia de reis aqui na Comunidade Quilombola de Nova Esperança: Wenceslau Guimarães-Ba
MATOS, Wesley Santos. Etnicidade, educação e reconhecimento de si entre as crianças quilombolas de Nova Esperança. Dissertação Mestrado em Relações Étnicas e Contemporaneidade). Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Jequié-BA, 2017.
SANTOS. Cledineia Carvalho. Comunidade Quilombola Nova Esperança: a mulher na construção da identidade étnica. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade). Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2018.
SANTOS, C. C. Terno de Reis: entre a tradição e a atualização da identidade na comunidade quilombola Nova Esperança. Revista Lusófona de Estudos Culturais, [S. l.], v. 6, n. 2, p. 127–141, 2019. Disponível em: https://rlec.pt/index.php/rlec/article/view/2113. Acesso em: 20 fev. 2024.
SANTOS, Renan Silva dos.História da fundação de Nova Esperança. Vídeo Documentário, 28 min. Brasil, 2008. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gFhBdiMPtLU
Projeto conduzido pelo Grupo de Pesquisa NEABI do IF Baiano (CNPq), sob coordenação das docentes Dra. Nelma Barbosa e Ma. Scyla Pimenta, no âmbito do curso de Especialização em Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-brasileira na Educação (REAFRO) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (IF Baiano Campus Valença).
Contato: nelma.barbosa@ifbaiano.edu.br